“O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas e amá-lo-eis como a vós mesmos, porque fostes estrangeiros na terra do Egito. Eu sou o Senhor, vosso Deus” (Lv 19, 34).
Colocamo-nos diante do cenário das migrações venezuelanas, particularmente na realidade que marca hoje o estado de Roraima. Em primeiro lugar, reconhecemos e valorizamos a ação solidária e fraterna que tem mobilizado uma série de organizações da sociedade civil e do Estado para tentar diminuir o sofrimento desses irmãos e irmãs e lhes garantir condições mínimas de dignidade em nosso país.
Contudo, os últimos acontecimentos ocorridos em Pacaraima – RR, com atos de extrema violência que atingiram os imigrantes venezuelanos que fogem da fome e da absoluta falta de condições de vida em seu país, violam profundamente a dignidade humana, degradam a sociedade e envergonham a todos nós, provocam e acentuam a nossa decadência, enquanto pessoa humana e fraterna.
Somos chamados, enquanto Igreja, Sociedade e Estado a fazer uma reflexão profunda sobre essa realidade e a pensarmos novas medidas visando a melhoria das ações de acolhida e integração de solicitantes de refúgio e migração vindos da Venezuela para o Brasil.
– Como podemos agir para que a situação gerada por este fluxo migratório no Brasil, que tem o estado de Roraima como primeiro local de acolhida, seja uma oportunidade para que a sociedade, as pessoas envolvidas, os moradores das cidades pelas quais passam ou se abrigam, demonstrem a esses irmãs e imãs, que somos uma nação civilizada, humana e fraterna?
– Como podemos vivenciar essa situação gerando aprendizagem e enriquecimento da nossa cultura enquanto comunidade cristã e cidadã?
Não podemos desconsiderar o caráter emergencial gerado por essa situação que acontece na chegada, cada dia mais expressiva, de pessoas na fronteira do Brasil com a Venezuela, sobretudo a partir de 2017, gerando uma concentração de venezuelanos e venezuelanas nas principais cidades do Estado de Roraima. Não obstante, considerando que está em curso o projeto de interiorização coordenado pelo Governo Federal, o ritmo atual desta iniciativa não conseguiu ultrapassar o número de 1.000 pessoas transferidas para outras cidades do Brasil, isto é, um número pouco significativo frente à quantidade de migrantes chegados àquele Estado.
Esse cenário aumenta, cada vez mais, o risco de acirramento dos ânimos nas cidades de chegada. Um exemplo disto são os atos de violência ocorridos em Pacaraima e Mucajaí, aumentando a vulnerabilidade da população imigrante, exacerbando a xenofobia, a rejeição e todo de tipo de violência e agressão.
Enquanto organizações da Igreja repudiamos, veementemente, os atos ocorridos em Pacaraima no dia 18 de agosto e conclamamos as autoridades para agir na responsabilização dos culpados. Ao mesmo tempo manifestamos nossa solidariedade aos imigrantes e refugiados venezuelanos, bem como a todos aqueles e aquelas que vêm atuando na atenção e acolhida desse público para minimizar o seu sofrimento.
Conclamamos o Estado brasileiro para assumir com mais empenho sua responsabilidade para com esta questão estabelecendo meios para o envolvimento das diversas esferas de Governo Municipal, Estadual e Federal.
Fazemos um apelo aos habitantes das cidades de chegada em Roraima para que num exercício de empatia e compaixão, fortaleçam os laços de fraternidade e de apoio a estes irmos e irmãs. Por mais que se sintam preocupados com a chegada dos imigrantes frente à ampliação das demandas para as políticas públicas, desejamos que sejam capazes de agir com amor e fraternidade, estabelecendo canais de diálogo com os órgãos públicos para que possam priorizar ações em favor do interesses e necessidades mútuas, seja da população local, seja da população de imigrantes.
Agradecemos as diversas formas de colaboração que já vem acontecendo no Brasil, pelos organismos nacionais e internacionais, pelas organizações da sociedade civil e pelas igrejas. A seguir presentamos algumas sugestões que desejamos sejam propostas de ação para incidir com urgência nesta resposta humanitária.
No âmbito interno à Igreja propomos:
- A realização de uma entrevista coletiva da CNBB, por ocasião do CONSEP ou em outro momento oportuno, fazendo um apelo às autoridades e às organizações da sociedade brasileira para maior participação nos esforços que potencializem a interiorização voluntária e integração dos solicitantes de refúgio e migração que vem da Venezuela.
- Divulgar uma campanha da CNBB conclamando os membros da Igreja para participar de algum modo dos esforços de acolhida, seja com doações, hospedagens, voluntariado, e outras formas criativas para agilizar a interiorização e melhorar as condições de vida e de integração desta população nos estados brasileiros;
- Conscientizar a sociedade sobre a importância e necessidade urgente de enfrentar e evitar novos fatos como o que ocorreu em Pacaraima, conclamando-a a viver efetivamente o “acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e refugiados” cumprindo o apelo do Papa Francisco na Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2018; utilizando para isto, sobretudo a rede de TV católica e de pequenos vídeos;
- Publicar o Plano “Caminhos de Solidariedade”, conclamando todas as organizações para integrar esses esforços;
- Fortalecer o diálogo e os esforços das organizações da Igreja que estão atuando na região, sob a liderança da Diocese de Roraima;
No âmbito das organizações públicas e da sociedade civil propomos:
- Intensificar os esforços conjuntos e atuar como um Comitê de Crise, envolvendo além do ACNUR, OIM, UNFPA e representantes do Governo Federal, organizações da sociedade civil, incluindo outras que têm capilaridade em todo o território nacional, tais como organizações de classe e os Rotary Clubes, entre outros;
- Ampliar as modalidades e oportunidades de deslocamento dos imigrantes que desejarem ir para outros estados, isso em caráter de urgência, inclusive modificando o projeto que o Governo Federal está liderando, tendo em vista que sua efetividade se tem demonstrado muito reduzida e com funcionalidade bastante complexa e ineficaz frente ao movimento migratório em causa.
- Envolver nos Estados as Forças Armadas, Defesa Civil, Secretarias de Assistência Social, e outros órgãos públicos para viabilizar o atendimento, garantia de acesso rápido às políticas públicas e direitos sociais, como forma também de garantir a continuidade desta atuação não apenas com os que ora chegam, mas também com os que chegarão procedentes de outros países em diferentes fluxos que poderão ocorrer.
- Promover campanha de sensibilização da sociedade em torno do tema das migrações e do refúgio, estimulando para a solidariedade frente ás crises humanitárias e sinalizando a responsabilidade do País como compromisso internacional.
Sem dúvida nenhuma os esforços necessitam ser intensificados e melhor qualificados para que essa resposta humanitária ao fluxo migratório atual de venezuelanos e venezuelanas possa ser de fato uma expressão da hospitalidade e da fraternidade do povo brasileiro e uma ação coordenada e articulada com maior eficácia, marcada sobretudo pela acolhida e inserção dos refugiados e migrantes.
Fraternalmente,
Dom Enemésio Lazzaris
Bispo de Balsas/MA e Presidente da Comissão
Brasília, 23 de agosto de 2018